Stephen Frears – “A Rainha” / “The Queen”
(Inglaterra/França/Itália
– 2006) – (97 min. / Cor)
Helen Mirren, James Cromwell, Alex Jenings, Michael Sheen.
Helen Mirren, James Cromwell, Alex Jenings, Michael Sheen.
Em “A Rainha” / “The Queen” encontramos uma obra que tudo possuía para cair no
docudrama televisivo, no interior da qualidade típica da BBC e no entanto tudo
nele respira cinema, desde a direcção de actores, até à montagem, passando pela
forma tranquila e segura da elaboração de cada plano e onde o raccord é
simplesmente perfeito. Ora isto deve-se a um cineasta que, desde sempre, e ao
longo da sua carreira, tem dividido o seu trabalho entre a televisão e o cinema
e curiosamente no interior do cinema tanto trabalha em Hollywood para os
Estúdios, como faz filmes de baixo orçamento.
O nome de Stephen Frears saltou para a ribalta com “A Minha Bela Lavandaria” /
“My Beautiful Laundrette”, oferecendo-nos uma história de amor entre um punk
racista e desempregado (Daniel Day Lewis no início da carreira) e um indiano. O
filme deu muito que falar, ao contrário do fabuloso e politicamente incorrecto
"Liam" e quando o cineasta decidiu levar ao grande écran a adaptação
de Christopher Hampton de “Dangerous Liasions” as portas de Hollywood foram-lhe
abertas por Martin Scorsese, que lhe produziu “The Grifters” / “Anatomia do
Golpe”, uma das maiores homenagens de sempre ao “film noir”. Depois a sua vida
começou a ser passada entre os continentes Europa e América, na ilha os filmes
de baixo orçamento com Roddy Doyle a assinar os argumentos e no novo mundo
obras como “Hi-Lo Country” (a descobrir, passou despercebida em Portugal) ou
"Accidental Hero" / “O Herói Acidental”, sobre a manipulação da
informação televisiva, que deveria ser (re) vista por quem programa emissões de
televisão.
"The Queen” revela-nos que Stephen Frears é um cineasta
de mulheres e são exemplo Michelle Pfeifer, Glenn Close, Judy Davis, Annette Bening,
Anjelica Huston, Judi Dench ou Julia Roberts, que assinou a sua melhor
interpretação de sempre no fabuloso “Mary Reilly”, que nos oferecia um outro
olhar sobre “O Médico e o Monstro”. Chegamos assim a uma nova lenda do cinema
inglês e dizemos isso porque a interpretação de Helen Mirren em “The Queen” / “A
Rainha” é simplesmente memorável, porque quem vimos no grande écran é na
verdade Isabel II, conseguindo a actriz fugir aos tiques e maneirismos que
muitas vezes matam uma personagem, conseguindo desta feita, a Morgana de
“Excalibur”, ultrapassar todas as armadilhas da Arte de representar.
Helen Mirren, tal como Stephen Frears, divide a sua Arte entre o pequeno écran
e o cinema, todos certamente se recordam dela na série “Prime Suspect” / “Principal
Suspeito” ou em filmes como “Gosford Park”, “The Madness of King George” ou em
“O Cozinheiro…” de Peter Greenaway. Mas quem se lembra dela em “The Confort of
Strangers”, de Paul Schrader, rodada em Veneza e baseada no livro
de Ian McEwan e com argumento de Harold Pinter, é mesmo uma obra-prima!!!! Mas teremos sempre também a astronauta russa
de 2010 ou a esposa de Harrison Ford nessa “loucura” passada na “Costa do
Mosquito”.
Helen Mirren e a Rainha Isabel II
Regressando a “The Queen” / “A Rainha”, o tema do filme é o período que decorreu
entre o dia do acidente que vitimou a Princesa Diana e o dia do seu funeral, dias esses que tornaram a família Real Britânica o centro das atenções de toda
a população de uma nação, período esse que possuía pela primeira vez ao fim de
um longo jejum um Primeiro-Ministro Trabalhista, que pretendia oferecer um novo
estilo à forma de governar, apanhado logo nos primeiros dias do seu mandato na
terrível teia da Monarquia Britânica.
Se Helen Mirren visualmente falando é o retrato de Isabel II, já Michael Sheen
não é tão parecido com Tony Blair num primeiro contacto, mas depois quando o
ouvimos e o vemos a andar tudo nele é de Blair e desde o mais pequeno gesto à
forma de sorrir, encontramos o dirigente Trabalhista; por outro lado Stephen Frears
não esconde a forma como os Trabalhistas olham a Monarquia através da
personagem de Cherie Blair (Helen McCrory) e todo o clima que nos é oferecido
do número 10 de Downing Street corresponde à realidade com o Primeiro-Ministro
a pedir aos subordinados para o tratarem por Tony. Depois há a forma como as
regras do protocolo são inseridas no quotidiano Trabalhista e a forma como Tony
Blair conseguiu fazer ver a uma Monarquia como a imagem deles se estava a
perder perante o povo, ou seja Diana Spencer, apesar de morta, tinha ganho a
batalha travada com a família Real. E na verdade assim sucedeu porque os
ingleses sempre a viram como a “Princesa do Povo”, fruto de uma imagem que
Diana soube cultivar como ninguém junto dos Média, acabando por ser “devorada”
pelas noticias dos tablóides.
“A Rainha” / “The Queen” de Stephen Frears, retrata-nos de forma surpreendente
o quotidiano de uma Família Real, que não sabe como lidar com a morte da sua
grande adversária, porque goste-se ou não Isabel II e Diana travaram uma luta
pelo poder no interior da família real e a sombra de uma outra Isabel (também
já interpretada por Helen Mirren para a TV) pairou mais forte sobre Buckingham
Palace. São precisamente esses momentos em que tudo se parece desmoronar no
Castelo de Balmoral, onde se encontra de férias a Família Real e a forma de lidar com os acontecimentos, a incerteza, a dúvida, o silêncio como fuga, que
se revelou uma estratégia errada e quase terminou com a Monarquia. Mas seria a
forma como Tony Blair lidou com a situação e com a Rainha Isabel II, que
permitiu as pazes entre o Povo e a sua Soberana, perfeitamente retratados no
filme, onde os gestos e os olhares da Rainha para as flores depositadas à porta
do Palácio e a forma como se cruza com a multidão, que permitem o regresso a
casa em paz da Família Real.
Stephen Frears
Depois do funeral encontramos o Primeiro-Ministro Tony Blair e a Rainha Isabel
II como sempre, cada um no seu lugar, mantendo o protocolo e em paz para
continuarem a dialogar nos jardins de assuntos de Estado, mas também de
trivialidades, mantendo as devidas distâncias, porque ela veio para ficar e ele é apenas mais um Primeiro-Ministro de passagem, como a História o provou.
Stephen Frears, em “The Queen”, dá-nos a lição de que o convívio entre o cinema e
a televisão nem sempre é fatal, criando uma obra inesquecível, na qual a
direcção de actores é um trunfo, mas sendo o seu olhar cinematográfico a mais-valia
deste filme tranquilo.